CAPOEIRA - Qual é a sua ?? ANGOLA, REGIONAL ou CONTEMPORÂNEA por Rui MT (02/2002)

"CAPOEIRA - Qual é a sua ?? ANGOLA, REGIONAL ou CONTEMPORÂNEA"

Introdução

Nesta entrada de milênio, o universo da Capoeira se expandiu apresentando faces muito diferentes das que apresentou nos últimos séculos. Num primeiro contato se encontram dois ícones e dois estilos: Mestre Pastinha e a Capoeira Angola e Mestre Bimba com a Capoeira Regional. Mas, atualmente, no ambiente da Capoeira, rico em diversidades, há uma confusão semântica na origem, no desenvolvimento e na complexidade de formas de capoeiragem existentes. Este texto procura colocar um pouco de ‘lenha na fogueira’ nas definições. E se propõe a uma nova forma de ver as capoeiras.

Se há menos de 100 anos a Capoeira estava no código penal brasileiro, inclusive com presídio em Fernando de Noronha, para onde eram enviados os capoeiristas presos, hoje em dia possui a fama de único esporte genuinamente brasileiro, presente em muitos países, buscando se tornar esporte olímpico. Chegamos à virada do século com um “Curso Superior Profissional Específico em Capoeira” na Universidade Gama Filho, no Rio, e temos um número de capoeiristas em atividade como nunca houve na história. Por outro lado, uma minoria destes capoeiristas fazem Angola ou Regional enquanto quase a totalidade não faz nenhum destes estilos. Outros acham que fazem os dois...

Na sociedade capitalista globalizada temos que tomar muito cuidado com os conceitos. São várias as formas de expressão do poder e autoritarismo que geram sempre o mesmo resultado: exploração do homem pelo homem e desigualdade social, enfim, a destruição da vida. A história humana é escrita pelos vencedores e sempre interpretada buscando mostrar mudanças através das evoluções técnicas e tecnológicas, que são utilizadas para escrever as "páginas da desumanidade", onde há pouca evolução social e política. São várias as formas dessa ‘ilusão da evolução’, seja pela estrutura hierarquizada desvendada por Etienne de La Boétie, no século XVI no “Discurso da Servidão Voluntária”, passando por Wilhelm Reich mostrando como isso é feito na educação e, principalmente, nas famílias, e em “A Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord, onde, alienados, aceitamos o espetáculo do cotidiano. Mostrada também atualmente nas denúncias do maior intelectual vivo (*1), Noam Chomsky, que aponta um ‘consenso fabricado’ mantido pela mídia e pela sociedade de consumo.

A Soma, terapia criada por Roberto Freire (*2), por sua vez, vem há quase quarenta anos desafiando os conceitos. Depois de uma pesquisa coletiva e individual dentro da Soma, por mais de dez anos estudando a Capoeira como instrumento científico de libertação, observei visões práticas diferentes. Para melhor entendimento da minha linha de pesquisa, este texto aborda um dos vários pontos que pretendo aprofundar em livro, que estou escrevendo e pretendo publicar ainda este ano. Assim, me reservo agora somente introduzir e questionar os estilos de Capoeira.

Vários pontos geram confusões na Capoeira, como o conceito de mestre e a ideologia por trás de conclusões históricas. Mestre pode ser um título, um certificado em papel ou um reconhecimento por um outro Mestre. Pode ser também o ato pedagógico de ensinar; qualquer um, à medida que ensine algo novo a outra pessoa, é mestre. E ainda há o reconhecimento pela comunidade, por méritos e experiência vivida (geralmente pessoas mais velhas se tornam mestres assim).

Mestre aparece na roda, no ritmo, no canto, no jogo e na liderança através dos diálogos da Angola. Mestre expõe seu comportamento na Roda de Capoeira, alguns também são mestres na roda da vida.

Em pesquisa de 1997 (*3), escolhi o termo ARTE (os termos ‘folclore’ e ‘esporte’ são mais rígidos, pois sofrem menos mudanças no decorrer do tempo) para conceituar a Capoeira. Coletei os termos Angola, Regional, 'Contemporânea', Atual e de Rua, mas não aprofundei suas diferenças. Os três estilos que atualmente vejo vivos e distintos entre si, são:

-

Capoeira Angola

,

-

Capoeira Regional

,

-

Capoeira ‘Contemporânea’

(para evitar confusões escolhi '

Contemporânea'

para substituir o termo '

angola-e-regional'

, quando o capoeira se diz praticante dos dois estilos anteriores).

Mas fica o alerta: Com a arte da Capoeira Angola em movimento, este texto, em poucos anos (ou décadas), ficará ultrapassado.

Sendo Arte, a Capoeira se modifica e preserva em sua própria estrutura o conceito mais arcaico e Bantu de movimento: “Para os Bantu, especialmente os Congo, viver é um processo emocional, de movimento. Viver é movimentar, e movimento é aprender”(*4). O movimento básico no jogo da Capoeira, a ginga ("um andar sem sair do lugar..."), é uma homenagem à guerreira e rainha africana N’Zinga N’Bandi (1582-1663/1680, ou D. Ana de Sousa, nome de batismo na religião católica), que lutou por mais de quarenta anos contra a colonização e a escravidão no Congo e em Angola. A Capoeira adotou o local de sua luta para nomear-se (*3) e homenageou seu movimento corporal básico inspirado na mulher que movimentou sua sociedade, politicamente, de baixo para cima.

O termo Angola vem de N’Gola N’Bandi que foi um rei que resistiu por várias vezes a expedições dos colonizadores portugueses, contra-atacando os vitoriosamente. Quando em 1558, os povos nômades invadiram e destruíram o sul do reino de Congo, os reinos de N’Dongo e Matamba; um dos chefes, N’Gola N’Zinga doou a seu filho N’Gola N’Bandi o reino de N’Dongo, passando este a designar o nome do reino conquistado (N’Gola: Angola) (*5). Somos em grande parte descendentes dos angolanos, e a vinda de escravos que eram reis e conhecedores profundos da cultura negra, se por um lado enriqueceu a cultura brasileira, favoreceu a atual miséria do povo africano. Somos assim responsáveis pela destruição da África, foi o início da globalização econômica, iniciada neste período do tráfico colonial com apoio da igreja católica, e que continua sua destruição até hoje.

Os locais de manifestação da Capoeira são sempre variados. Vão de recintos fechados às ruas, assim a categorização proposta por mim se baseará não no local e sim em como é realizada a RODA de Capoeira, seu ritual, ritmo, relação de movimentos de ataque e defesa, cantos e energia. Não querendo fechar conceitos, e sim questioná-los e abri-los ao diálogo, trago apenas alguns aspectos históricos e outros atuais, nos quais se poderão perceber estilos que se respeitam, mas que ocupam espaços distintos. Assim torna-se necessário desvendar aspectos mínimos de distinção entre capoeiras, já separadas numa realidade múltipla. A história da Capoeira Angola é a história da marginalidade brasileira, com conflitos étnicos, econômicos e sexuais que se preservam ainda hoje em uma sociedade das mais paradoxais: riqueza de bens de produção e consumo, riqueza ambiental e a riqueza da miscigenação étnica e cultural em contraste com uma pobreza social, absurdamente aceita.

Origens da Capoeira Angola

Tudo começa na mãe África, continente originário dos primeiros homens que se espalharam pelo mundo, gerando todos os povos. O tráfico de escravos através do Atlântico foi um dos grandes empreendimentos comerciais e culturais que marcaram a formação do mundo moderno e a criação de um sistema econômico mundial (início da globalização). A participação brasileira nesta trágica aventura é estimada em 40% dos 15 milhões ou mais de homens e mulheres arrancados de suas terras (*6). Pesquisas variam quanto à interpretação da ancestralidade africana da Capoeira. Sem querer definir uma verdade, mas tentando levantar possibilidades, trago três versões da origem da Capoeira:

- Nas pesquisas do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP), Mestre Moraes acredita “ser a Capoeira de origem africana, mais precisamente da Ilha de Lubango, na aldeia dos MUCOPES, localizada no sul de Angola. (...) Na época do acasalamento das zebras, os machos, a fim de ganharem a atenção das fêmeas, travavam violento combate. Daí os jovens guerreiros mucopes passarem a imitar alguns passos desse ritual, que denominaram de N’GOLO. Os habitantes dessa aldeia realizavam uma vez por ano uma grande festa com o nome de EFUNDULA, ocasião em que as meninas que já tinham atingido a puberdade e, estando assim prontas para o casamento, teriam como marido aquele guerreiro que tivesse a melhor performance na prática do N’GOLO” (*7). Para a maior parte dos angoleiros, como os Mestres João Pequeno e João Grande, deste ritual deriva a Capoeira;

- Nas pesquisas de Mestre Camisa do ABADA-Capoeira, “a Capoeira é fruto dessa fusão de culturas, lutas e rituais africanos, no Brasil”. Como o N’GOLO, a “BAÇULA”, ritual da Ilha do Cabo “(...) onde um derruba o outro através de agarramento, balões, pegar as pernas para derrubar, pescoço, cintura, o objetivo é derrubar o adversário (...) Eu acredito que os golpes de derrubar, de desequilibrar na Capoeira, tenham vindo da Baçula. Tem também a ‘kabangula’, que é uma luta de mão, que é um tipo de boxe com as mãos abertas. (...) Tem também o ‘Umundiu’, que é um ritual, um jogo, que usa as mãos e os pés, e tem também as danças acrobáticas” (*8);

- Para Mestre Cobrinha Verde (herdeiro de um dos maiores capoeiristas de todos os tempos, Besouro Mangangá), “a Capoeira nasceu no Recôncavo, em Santo Amaro, criada pelos africanos que viveram acorrentados para trabalharem nos engenhos. Na África, eles usavam uma dança denominada de batuque. (...) Dessa dança é que foi construída a capoeira.” (*9);

Termino esta etapa das origens, com Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha – 5/04/1889-13/11/1981): “...entre os mais antigos mestres de Capoeira figura o nome de um português, José Alves, discípulo dos africanos e que teria chefiado um grupo de capoeiristas na guerra dos Palmares. ” (*10) (grifo meu).

A história da Capoeira se inicia com a vinda dos primeiros escravos africanos para o Brasil

Onde a confusão aumenta...

Existe uma névoa sobre a História da Capoeira, principalmente pela sua tradição oral e marginal. Os aspectos históricos, quando sem contextualização e aprofundamento, servem mais à confusão que ao esclarecimento. Uma informação ‘clássica’ sobre a desinformação da capoeiragem é a queima dos registros da escravidão no Brasil, por Ruy Barbosa, quando Ministro da Fazenda, em 15/12/1890. Esta informação, publicada em livro e revistas, é acrescentada do que se diz que ele fez isso para "apagar da memória brasileira essa lamentável instituição". Agora, quando contextualizamos essa informação e a criticamos, ela passa a ter outras interpretações: seria queimando os registros que se apagaria da memória a ‘lamentável’ escravidão? Penso que somente aprenderemos com o passado, e não o repetiremos, se pudermos ter mais informações. Esquecer os erros do passado é a melhor forma de repeti-los. Além do mais, a simples queima dos arquivos não faria esquecer a escravidão. Na realidade, foi uma estratégia do governo para evitar que ex-proprietários de escravos buscassem uma compensação dos prejuízos que tiveram com a abolição da escravatura, dois anos antes.

Em 1998, com a publicação da primeira revista de distribuição nacional dedicada somente à Capoeira, houve um crescimento de informações disponíveis ao grande público. Logo em seguida, um ‘boom’ editorial com várias revistas ao mesmo tempo, mas a maioria não durou muito. Nessas revistas, com erros de revisão e de impressão, repetiam-se muito as informações, que se destinavam mais a divulgar grupos e egos. Por outro lado, houve a possibilidade de se encontrar muitas pesquisas sérias e aprofundadas.

A importância da Capoeira na sociedade brasileira está sendo descoberta aos poucos, mas nunca teremos uma visão real do que se passou na marginalidade. A partir da década de 80 são inúmeras as peças de um quebra-cabeça que surgem em estudos acadêmicos e de grupos independentes, que investigaram seriamente o passado da Capoeira. Como já coloquei, o tema deste artigo é outro, mas para quem queira pesquisar, é curioso como os capoeiristas famosos da nossa história, como Plácido de Abreu, Duque Estrada, Barão do Rio Branco, entre tantos, são omitidos no ensino brasileiro. E ainda há a importância dos capoeiristas brasileiros na Guerra do Paraguai, inclusive sendo o capoeira Chico Diabo (Cabo Francisco Lacerda) quem matou o presidente paraguaio Francisco Solano López em 1870, causando o fim da guerra (*11).

Há uma separação entre o que foi a Capoeira desde as suas origens até o momento em que houve a cooptação pelo sistema dominante. Ela nasceu como uma arte de libertação, ajudando o negro, e depois os marginais a manterem um elo com seu passado. Uma arte negra que no Brasil foi se fortalecendo com contribuições variadas, inclusive dos indígenas, que apoiavam os negros em suas fugas no mato. Pois é sabido que os quilombos foram sociedades livres variadas: 70% da população dos oito principais quilombos eram negros, sendo 25% de índios e 5% de brancos, todos refugiados (*12). Houve também contribuições dos portugueses Fadistas (cantores de Fado). Ágeis na luta corporal e no manejo da navalha, os Fadistas viviam nas ruas de Lisboa e do Porto no séc. XIX (*13).

O momento político de 1888-1889, ano da Abolição seguido pelo da Proclamação da República, mostra como o Estado Brasileiro conseguiu mudar para se manter igual na essência. A ‘revolução social e política’, chamada por Deodoro em sua Proclamação de ‘revolução nacional’, não alterava a relação dominador versus dominado (em cima x embaixo). “Eles administraram de tal maneira as mudanças no modo de produção que os ex-escravos – assim como os contandini e os bracianti, imigrados italianos que engrossaram então a classe subalterna – não tiveram, por força da lei, naquele transe, garantias de acesso à posse ou à propriedade da terra, ao trabalho e, muito menos, ao salário” (*14) (*32). Sabemos que os primeiros decretos proibindo a Capoeira datam de 1814, seis anos após a chegada da Família Imperial ao Brasil. Nesse período, a população brasileira era de 3,6 milhões de habitantes, sendo 1,9 milhões (mais da metade) de escravos. A partir de 1890, na República, a Capoeira entra no Código Penal. Assim, depois de séculos de marginalidade, ela foi proibida oficialmente por mais de 120 anos. Temos menos de 70 anos de experiência de capoeiragem liberada.

Com origem provável no século XVI e desenvolvimento múltiplo nos séculos XVII, XVIII e XIX, a Capoeira sobreviveu a muitas mudanças. Não se constituindo de uma unidade de forma e ritos, foi capaz de dialogar “com novos contextos, adaptando-se no detalhe para conservar o essencial daquilo que a constituiu” (*15). Sem dúvida, ela desenvolveu um

potencial de luta

que gerou as insurreições dos escravos – particularmente nas províncias que constituíam a zona do Paraíba ou grande zona do café (*16), forçando a Lei Áurea. Aparecendo também como “defensora da pátria” na Guerra da Cisplatina (1825-1828) e na Guerra do Paraguai (1865-1870). Utilizada militarmente não só nas guerras, como nas eleições, por exemplo, em 1909, os cabos eleitorais capoeiristas elegeram o deputado negro e monarquista Dr. Monteiro Lopes, no Distrito Federal (RJ). No mesmo ano, estudantes cariocas promovem a luta entre o capoeira Ciríaco Francisco da Silva e o lutador de Jiu-jitsu Sada Miako. Com a vitória, Ciríaco tornou-se alvo de todas as atenções, inclusive sendo destaque em revistas nacionais. Enquanto isso, na marginalidade, de 1902 a 1909, na ‘Escola de Aprendizes da Marinha’, Mestre Pastinha ensinava aos seus colegas a arte aprendida com o africano Mestre Benedito.

...Capoeira Regional

O processo de mutação da Capoeira é muito antigo. Em 1874, Raul Pederneira descreve na Gíria Carioca a primeira nomenclatura de movimentos e defende uma “desesportivização” da Capoeira. No Rio de Janeiro, em 1907, um oficial militar escreve o “O Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira". Em 1928, o capoeirista Annibal Burlamaqui, conhecido como Zuma, publica “Ginástica Nacional – Capoeiragem – Metodizada e Regrada”. Alguns dizem que influenciou Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado, 1899/1900-1974), que cria a Luta Regional Baiana, fundando sua academia em 1932 (*17-A). Mestre Nenel discorda dizendo que M. Bimba já tinha sua metodologia sendo desenvolvida desde 1918. Mestre Decânio aponta a importância de Dr. José “Sisnando” Lima para a fundação da Regional (*17-B). Numa época em que a Capoeira era crime, Mestre Bimba a modifica, introduzindo novos golpes e uma sistematização do ensino. Consegue, depois de anos de muito esforço, a primeira autorização do Estado para a prática da Capoeira, em 9/7/1937, de um militar do Exército, o interventor federal do Estado Novo (primeira ditadura brasileira no século passado) na Bahia, Juracy Magalhães.

Novas mudanças nessa atribulada história de quase 400 anos: por estratégia militar de Getúlio Vargas, acontece a cooptação da Capoeira, numa tentativa de controle e de transformá-la em Educação Física e Esporte, dentro de seu projeto populista. Em 1934, Getúlio Vargas, interessado no voto feminino, dos analfabetos, dos soldados, etc, extingue o decreto-lei que proibia a Capoeira e a prática de cultos afro-brasileiros. Mas, por outro lado, obriga que tanto os cultos quanto à Capoeira sejam realizados fora da rua, em recintos fechados, com um alvará de instalação. Novamente, o que parece com ‘liberdade’ é, na verdade, ‘controle’. Tanto que no final da década de 40 ainda havia a cavalaria da polícia impedindo a Capoeira na rua (e o toque de cavalaria no berimbau, avisando os capoeiras...). Interessante que nasce a Capoeira Regional a partir da Angola, por estratégia, com outro nome: Luta Regional. Nesse contexto, a Capoeira tradicional começa a ser chamada de Angola para uma melhor diferenciação. Em 1953, o Presidente Getúlio Vargas assiste a uma demonstração de Mestre Bimba e comenta sobre a Capoeira: “a única colaboração autenticamente brasileira à educação física, devendo ser considerada a nossa luta nacional” (*18).

Com o crescimento da Regional, que era freqüentada por estudantes e trabalhadores com carteira assinada, a Angola continuou à margem da institucionalização até 23 de fevereiro de 1941, quando grandes mestres da época entregaram a Mestre Pastinha a responsabilidade de preservar a arte da Angola (*19). Assim nasce o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), registrado somente em 1/10/1952. Em 1955, instala-se no Largo do Pelourinho, Salvador, Bahia.

Apesar da aparente rixa entre os estilos, havia um respeito mútuo. Tanto os alunos de Mestre Bimba podiam freqüentar as rodas de Mestre Pastinha, como o contrário. Todos eram bem recebidos, até porque os golpes criados por Mestre Bimba não eram utilizados com alunos de outras escolas que não utilizassem o seu método. Começou então uma aceitação da junção das capoeiras. Relata Mestre Canjiquinha, que foi contra-mestre de bateria de Mestre Pastinha: “Não existe capoeira regional nem angola. Existe capoeira. (...) Eu sou capoeirista. Não sou nem angoleiro nem regional. (...) Agora, capoeira é de acordo com o toque. Se você está numa festa: se tocar bolero você dança bolero; se tocar samba você dança samba; - a capoeira é conforme: tocando maneiro você dança amarrado, tocando apressado você apressa.”(*20).

Onde a confusão se espalha...

O Rio de Janeiro também possui uma rica história marginal da Capoeira e uma rica influência das maltas de capoeiras ligadas à criminalidade e à política, que formavam quase um exército paralelo. Mais tarde, porém, houve o enfraquecimento da Capoeira carioca e uma “invenção da tradição” (*21) da Capoeira baiana. Mestre Bimba leva seus alunos para São Paulo em 1949 para competir em luta livre: das cinco lutas, ganham três por nocaute. Mestre Bimba também viaja apresentando a Regional: em 1955, em Fortaleza-CE (Teatro José de Alencar); em 1956, no Rio de Janeiro (Maracanãzinho) e, em São Paulo (inauguração da TV Record); e, em 1968, em Teófilo Otoni-MG. Mestre Pastinha e o CECA viajam fazendo demonstrações em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Recife.

Apesar da existência de capoeiristas tradicionais no Rio, em 1964 começa um fenômeno novo. Alunos com pouca experiência na Angola e na Regional se juntam e formam o grupo carioca que viria a se chamar Senzala e a influenciar muito a Capoeira no sul/sudeste do país, tanto pela descaracterização (afastamento de rituais tradicionais), como pela incorporação de novas técnicas de ensino.

Em São Paulo, através de pioneiros como Mestre Zé de Freitas (discípulo do maior cantador de Capoeira Angola de todos os tempos, Mestre Waldemar da Paixão – BA) e Mestre Valdemar Angoleiro, abriu-se espaço para a vinda, na década de 60, de capoeiras que migram da Bahia buscando melhores condições de vida. Vieram mestres angoleiros e regionaleiros. Devido à falta de tradição da Capoeira na capital paulista, para melhor sobrevivência econômica desses mestres, há a necessidade de apoio mútuo. Mestre Suassuna, por exemplo, ajudou muitos capoeiristas a se estruturarem. Este processo de adaptação e sobrevivência é melhor exemplificado com a fundação, em 1967, da Academia Cordão de Ouro, formada pelos mestres Brasília e Suassuna, o primeiro da linhagem Angola de Mestre Canjiquinha e o segundo da linhagem Regional de Mestre Bimba. O que era impossível para Mestre Pastinha e Mestre Bimba acontece: a fusão de estilos se torna uma realidade.

Na década de 50, a Capoeira chega a Belo Horizonte. Em 1963, Mestre Pastinha se apresenta na Universidade Católica, mas somente na década de 70 é que crescem as academias e a Capoeira se fortalece nas praças, sendo criada uma roda na Praça Liberdade, onde o público se reunia para ver a ‘vadiagem’. Por causa desta roda, surgiu a famosa Feira Hippie, que se desenvolveu e virou um marco na cidade (hoje está na Av. Afonso Pena), no entanto poucos falam dessa origem ligada à Capoeira.

Em Curitiba, em 1973, a Capoeira se implanta através de Mestre Sergipe, depois que Mestre Eurípedes passou por lá no início da década de 70. Mestre Sergipe foi contra-mestre do angoleiro Mestre Caiçara, mas, como Mestre Brasília, também mudou de estilo. Em 1975, com a chegada de Mestre Burguês, a Capoeira se espalha na cidade.

Ainda seguindo a história do poder cooptando a Capoeira, em 1968 e 1969 (segunda ditadura militar do século passado), a Comissão de Desportos da Aeronáutica patrocina dois simpósios nacionais sobre Capoeira com o intuito principal de estabelecer uma única nomenclatura para os golpes e defesas. Entre os vários mestres participantes estava Mestre Bimba, que se retira antes do término do segundo simpósio por não aceitar que a Capoeira Regional se fundisse com outras regras e ‘modismos’ (no primeiro simpósio ele enviou Mestre Decânio para representá-lo).

Interessante também que foram vários os capoeiristas que desejaram ter o mérito de Mestre Bimba, criando estilos com nomes e características próprias como a Capoeira Estilizada, a Muzenza, a Saramango, a Primitiva, a Barravento, etc. Mas nada disso vingou além de seus grupos e descendências. A não ser a criação coletiva da Capoeira 'Angola-e-Regional', que a meu ver, repito, não é nem Angola nem Regional.

A década de 70 é fundamental no encolhimento da Angola tradicional, resgatada por Mestre Pastinha. Em 1971, ele é enganado e perde sua academia no Largo do Pelourinho nº 19 e, em 1979, sofre derrame cerebral. Em 1981, morre cego, na miséria e quase esquecido. Com a morte de Mestre Bimba em 1974, também esquecido, enganado e na miséria, em Goiânia-GO, a Regional também perde sua força e o seu mentor.

Em 1º de Abril de 1966, Mestre Pastinha se apresentou junto com outros mestres e alunos na África, no I Festival Internacional de Arte Negra em Dakar, Senegal. Na década de 70 ocorre a expansão da Capoeira para a Europa e E.U.A., mas só em 1989 o angoleiro Contramestre Rosalvo migra para a Europa, fundando em 1997 a primeira academia européia de Capoeira Angola em Berlim, Alemanha.

Em 1972, a Capoeira é homologada pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) como esporte e, em 1974, nasce a Federação Paulista de Capoeira. Em 1992, forma-se a Confederação Brasileira de Capoeira e, finalmente, em 1993, a Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA). Assim, após milênios de ancestralidade lúdica e poucos séculos de agressividade para a luta, a Capoeira, que desenvolveu variações nas décadas de 20 a 50, com o nascimento da Regional e a sobrevivência da Angola, finalmente se descriminaliza. Consequentemente, se elitiza. Nas décadas de 60 a 90, a fusão e a mutação das capoeiras fazem surgir a 'Contemporânea', e, após breve enfraquecimento, renascem a Angola e a Regional. Entramos no século XXI com um lado da Capoeira ligado à marginalidade cultural e econômica, sendo a Roda de Capoeira um aprendizado de desobediência civil para a vida (detalhes no livro). Por outro lado, num outro estilo, está cooptada, servindo ao sistema estático da estrutura sócio-econômica que mantém as classes, as explorações e a escravidão (que chamamos hoje de globalização ou neo-liberalismo), divertindo ou competindo nas lutas de vale-tudo, ou ainda nas universidades e espaços militares, servindo ao hierarquismo e ao comodismo. Lembro aqui as palavras de Mestre Lua ‘Rasta’ da Bahia, “... o capoeirista precisa se respeitar...os mais jovens procurarem se interar do que é capoeira, do que é liberdade, do que é militarismo; e a capoeira é anti-militar, a capoeira não tem nada a ver com militarismo...” (*22).

...uma prática...

Quando comecei a prática da capoeira em 1990, em Curitiba, as academias diziam fazer Angola e Regional. Passei pela Muzenza do Mestre Burguês e, depois, pelo Centro Paranaense de Capoeira do Mestre Sergipe. Somente no final de 1991, vendo uma apresentação do GCAP no Rio de Janeiro, experimentei uma ‘rasteira’. Como é que depois de dois anos aprendendo Angola, descobri a Angola ?

Quando desejei aprender somente Angola no Paraná, os capoeiristas riam e diziam ser a Capoeira Angola coisa de mulher, num sentido pejorativo e obviamente machista. No Rio, Mestre Mano comenta que antigamente (antes de 1980) os regionais diziam pisar na cabeça dos angoleiros nas rodas. Na Capoeira "Contemporânea" há um estereótipo da Angola dos angoleiros: muito lenta e no chão, sem a presença do ritual. Mestre Moraes e o GCAP resgataram a Angola com seu conteúdo de luta e com uma capacidade técnica de enfrentamento. O angoleiro podendo jogar Angola e enfrentar a "Contemporânea" com igualdade, de baixo para cima, na fuga e no contra-ataque, com negativas frente às positivas.

Na década de 60, a inexperiência em Capoeira (início do Senzala), a necessidade de sobrevivência, o apoio entre capoeiristas de estilos diferentes (Cordão de Ouro e Senzala), o afastamento dos centros tradicionais (BA e RJ) e o desejo de criação de estilos novos fazem a Capoeira sofrer novas transformações. Em 1971, procurando resgatar alguns aspectos mais tradicionais, Mestre Almir das Areias, dissidente do Cordão de Ouro, cria a Capitães da Areia, que junto com a Cativeiro, questionam a Federação e sua proposta.

Grupos importantes e vários outros mestres não cito, pois aqui procuro priorizar apenas os mais próximos da pesquisa Soma-Iê versus Capoeira Angola.Em 1976, Roberto Freire, intelectual que havia entrevistado Mestre Pastinha em 1966 para a revista REALIDADE, começa a fazer Capoeira com Mestre Almir (que hoje chama se Anand) e a estudá-la cientificamente em paralelo ao desenvolvimento da Somaterapia.

Aqui entra um parêntese para a importância do GCAP, o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, formado na época por Mestre Moraes. Fundado em 1980 no Rio e transferido em 1982 para a Bahia, teve uma importância indiscutível para a retomada da Capoeira Angola. Deixou mestres no Rio de Janeiro e formou Mestre Cobrinha Mansa na Bahia. Valorizando os mestres antigos, produzindo pesquisas, trouxe a energia tradicional da Roda de Capoeira a uma nova posição: ritual, luta e movimento. No início da década 80, com a Regional completando 50 anos e a Angola, 400, o contexto se modificou totalmente. A Regional era predominante, mas se afastara dos preceitos do seu criador, e os angoleiros, que não concordaram com a inevitável fusão das capoeiras, estavam esquecidos e se afastando da sua prática. Mestre João Pequeno, principal discípulo de Mestre Pastinha, começou a usar cordéis e batizados, influenciado pelas mudanças da Capoeira.

A Capoeira começou a se preservar e se restringir através de shows e espetáculos, que associavam uma Capoeira acrobática com Maculelê (arte recuperada por Mestre Popó, de Santo Amaro), Puxada de Rede, Roda de Samba e rituais de show criados por Mestre Canjiquinha. Foi a forma de sobrevivência da Capoeira. Mestre João Grande, que migrou para Nova York (EUA) e hoje está recebendo vários prêmios pela preservação da arte negra, tinha abandonado a Capoeira, trabalhando como frentista em Salvador. Graças à insistência de Mestre Cobrinha e do GCAP, voltou à Capoeira em 1984. Em 1986, o Mestre Nenel (filho de sangue de Mestre Bimba) resolve recuperar a Regional original de seu pai, formando a Filhos de Bimba Escola de Capoeira, denunciando como a 'Contemporânea' se afastou da Regional pura.

Em 1992, mudei para Belo Horizonte e entrei no Grupo Iúna de Capoeira Angola, com os professores Primo, João e Wagner, que, hoje, dez anos depois, são considerados Mestres. Devido a motivos pessoais, mensalmente viajava pelo sul e sudeste, além de viagens de pesquisa para o nordeste do Brasil, podendo perceber na prática (em rodas e treinos) as várias Capoeiras existentes na década de 90. Fiz contato com vários capoeiristas, como, por exemplo, Nino Faísca de Olinda-PE, que foi o capoeirista que formou o primeiro grupo somente de Angola em Curitiba, e hoje se encontra na Alemanha como professor da Associação Angola Dobrada de Capoeira Angola, coordenada por Mestre Rogério (que formou o Iúna).

Um texto de Alejandro Frigerio publicado em 1989, “Capoeira: de arte negra a esporte branco” (*23), foi uma referência para quem se iniciasse nas diferenças das capoeiras.Vendo hoje as referências de Frigerio, percebo que sua análise não foi entre Angola e Regional, mas sim entre Angola e "Contemporânea". Frigerio não encontrou a Regional pura, e, ainda hoje, essa dicotomia acontece. Quem faz Capoeira, na maior parte dos grupos está aprendendo a Capoeira "Contemporânea". Aprende a 'angola-e-regional'. A roda começa com um ritmo lento, a ‘angola’ e logo depois, entra num ritmo mais rápido, a ‘regional’. Frigério comenta essa diferença da ‘regional’ e da ‘atual’ em entrevistas relatadas. Para um pesquisador que, no decorrer de 1983 a 1987, pesquisou somente oito meses, sua categorização teve pontos interessantes. Concordo com muito de sua abordagem, mas discordo da “musica lenta” ser uma característica intrínseca da Angola. Porém entendo que ele fez um grande trabalho, mesmo que o seu universo de pesquisa tenha sido somente dois grupos de Capoeira Angola. A Angola, para mim, comporta uma possibilidade variada de ritmos, do lento ao rápido, o que nem sempre vai definir a movimentação dos jogadores. A música na Capoeira não é só um fundo que define o ritmo, ela faz parte do próprio diálogo do jogo, e o jogador pode ‘quebrar as regras’ por desconhecimento ou ousadia (*3).

Junto com o processo de crescimento e "modernização" da Capoeira, quando ela começou a migrar para todo o Brasil e para outros países, a "Contemporânea" se ampliou de forma geométrica, ao mesmo tempo a Angola minguava junto com a Regional original. Na década de 60, ambas se enfraquecem para quase morrerem na década de 70. Na década de 80 se dá o renascimento da Angola através do GCAP e o renascimento da Regional com os Filhos de Bimba e, na de 90, a definição dos estilos. Conflitos entre grupos e mestres fazem os conceitos de mestria (títulos) e os conceitos dos estilos serem relativizados. Cada grupo se define do seu jeito e a confusão semântica faz parte das capoeiras nessa virada de milênio.

“Mestre Pastinha morreu com 92 anos e dizia estar aprendendo a Angola. Como é possível alguém saber os dois estilos?” Esta questão representa a filosofia que procura definir limites para os estilos. A história nos mostrou como foi possível essa fusão, mas o movimento da Capoeira se opera internamente de forma a recuperar conceitos numa prática viva que é o ritual das rodas. A Regional segue os passos da Angola e ambas conseguem reviver e recuperar sua unidade, deixando para a "Contemporânea" escrever sua história. A Angola se volta para sua essência como movimento de baixo, provocando uma mudança de posição que permanentemente questiona as outras capoeiras. Também questionando permanentemente a si própria para estar em movimento.

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...considerações finais e iniciais.

Em 1993 a pesquisa da Soma deu seus primeiros frutos. Os somaterapeutas ligados a Roberto Freire se aprofundam na Capoeira Angola montando um espaço destinado a Angola de Mestre Pastinha e criando um dos primeiros espaços dedicados somente a esta arte (inclusive, tendo conflitos com um capoeirista na sua inauguração) em São Paulo: o Tesão – a casa da Soma, em Perdizes. Enquanto isso, Mestre Almir das Areias cria seu projeto

Soma-Capoeira,

procurando juntar Angola, Regional e outros estilos num só, o que nada tem a ver com a Somaterapia, ou a proposta da Soma, que é exclusivamente viver a Angola.

Outro ponto de confusão é a questão libertária, que é mal vista por muitos devido à tentativa política da ‘esquerda’ e da ‘direita’ em confundi-la com bagunça ou desordem. Através da denúncia do autoritarismo, o Anarquismo, como a Angola, produz a permanente crítica às relações que produzem o movimento social. Hoje, o próprio Movimento Anarquista está contaminado de autoritarismo, e a

Soma-Iê

procura lutar contra isso vivendo a Autogestão (ou melhor, em permanente busca por ela). A luta pela Autogestão é a luta cotidiana contra a vivência do autoritarismo. Nos estudos de grupos de Capoeira nos aproximamos da cultura Bantú na descentralização do poder e no respeito à dignidade humana (não confundir com cidadania (*24) – sempre conceitos em conflito...). O que está difícil na sociedade é a vivência da Autogestão e, principalmente, as associações em macro escala, possíveis na teoria de “

Do Princípio Federativo

”, de Pierre-Joseph Proudhon, mas raramente vividos na prática. Vivência que acontece cotidianamente nos diálogos da roda de Capoeira Angola.

Os aspectos técnicos retomados podem variar, mas como exemplificação da terminologia vamos analisar a bateria das rodas. Mestre Pastinha mostrou que na bateria o berimbau é indispensável. Com a retomada da Angola pelo

GCAP

, Mestre Moraes a definiu com três berimbaus, dois pandeiros, atabaque, agogô e reco-reco. E outros grupos como de M. João Pequeno e m. Curió já usava bateria similar na época. Muitos grupos criaram essa bateria como ‘lei’ sem perceber que não é só isso que definirá o estilo. A Regional de Mestre Bimba, que hoje atua com um berimbau e dois pandeiros de couro, segundo Mestre Boca Rica, antes também contava com um reco-reco.

A entrada dos instrumentos é plural. O berimbau-de-barriga entrou na Capoeira entre os séculos XIX e XX. Na vida social, o berimbau era usado por vendedores ambulantes para chamar a atenção. Antes, no lugar do arame, era usado o cipó-de-imbé e havia também o berimbau-de-boca. O nome ‘berimbau’ é de origem portuguesa e espanhola e foi transferido para o arco-musical africano, que é um dos instrumentos musicais mais antigos da humanidade (*25). A entrada do atabaque se deu provavelmente no século XX, na institucionalização da Capoeira. Apesar de constar na clássica ilustração de Johann Moritz Rugendas (de 1830, considerado o mais antigo desenho do jogo de capoeira), o atabaque não manteve uma continuidade histórica. Inclusive, há versões de que quem o introduziu recentemente foi Mestre Canjiquinha. Se no Rio de Janeiro, na capital do Império, entrou a navalha, “

a Bahia muito contribuiu, na parte musical, introduzindo o pandeiro, o caxixi e o reco-reco, em substituição às palmas; e o berimbau de barriga com corda de aço, com voz mais sonora e muito mais recursos que o de boca

” (*26).

Só para apresentar esta exemplificação da bateria, vi na década de 90 grupos mudando e variando. Alguns, que usavam um berimbau, passaram a usar três berimbaus. No aspecto aparente e superficial, passaram da Regional para a Angola, mas no aspecto técnico da música, o tipo de toque, a afinação de cada berimbau e a sua função na roda, eles simplificaram e enfraqueceram a proposta da Angola, aumentando a descaracterização e a confusão.

Assim procuro separar os aspectos OBJETIVOS, como cores de uniforme, bateria, músicas, etc, dos aspectos SUBJETIVOS, as intenções e relações criadas que se buscam na brincadeira de Angola. Sem uma entrega visceral (como abandonar a tentativa de ter vários estilos hoje) não se conhecerá todo esse mistério afro-brasileiro. Podemos ultrapassar a ‘objetividade-sem-parênteses’ das análises objetivas e trabalhar a ‘objetividade-entre-parênteses’(*27) na Capoeira. A

Soma-Iê

quer movimentar os conceitos, colocando todos como ‘observadores’: ação direta produzindo trocas dentro da roda e fora dela. Cada um é quem vai optar entre

ilusão

e

percepção

. A arte da Angola vai contra a alienação dominante. Hoje, mesmo grupos de Angola que não mantiverem um contato com outros mestres angoleiros podem no decorrer do tempo mudar de estilo. Pois a Angola, viva e em movimento, é formada pelo conjunto dos praticantes e seus intercâmbios.

Como fiz dois anos de 'Contemporânea' e dez anos de Angola pura não tenho competência nenhuma para falar da Regional. Possuo somente algum conhecimento teórico. Na Angola só terei alguma competência para nela começar a me expressar com mais de quarenta anos de Capoeira. Não tenho pressa, pois ainda faltam trinta anos para isso. Sempre que se tenta explicar as diferenças de estilos da Capoeira, o aspecto semântico confunde muito. Pois só é possível entender a Capoeira através da experiência pessoal e própria. Este texto é parte de uma pesquisa na qual pretendo mostrar os efeitos poderosos que a Angola possui para a vida humana enquanto terapia, liberação da criatividade, liberação energética, etc...

Uma grande riqueza desse universo é sua diversidade. Neste aspecto, a Capoeira imita a natureza em sua biodiversidade. Estamos a cada dia descobrindo novidades, "movimento é vida".

O que pretendo com este texto é clarear um pouco a nomeação dos estilos, mas com certeza dentro de cada estilo cada grupo possui suas diferenças. O que vejo na Angola é como cada um consegue descobrir o seu jeito de se expressar, uma verdadeira unidade na diversidade (*28). Muito mais importante que os nomes é o que se pratica, e, nesse aspecto, a Capoeira tem uma unidade. Pois posso dentro do meu estilo me adaptar e jogar em rodas de outros estilos. E é a partir desta prática que pergunto com este texto: Qual é a sua? Cada um está escrevendo a sua história corporalmente e procurando manter as capoeiras.

O que tenho visto são três ambientes e a melhor síntese disso seria a duração de permanência de estilos:

-

CONTEMPORÂNEA

é a capoeira mais difundida. Aqui nesta categoria coloco

todas as nomeações que tenham menos de 50 anos de existência

. Aqui entra a MAIORIA DE GRUPOS E ACADEMIAS, com a Capoeira sendo chamada de ‘Angola-e-Regional’, e as contemporâneas ‘regional-moderna’, ‘Soma-Capoeira’, Capoeira

free-style

(para luta Vale-tudo), Hidro-Capoeira, Capoeira misturada com outras lutas (boxe, muay-thai, etc) e ainda as que não querem abandonar seus títulos anteriores. Na década de 90, tentaram e hoje ainda tentam se aproximar da Angola (o que está gerando confusões, pois todos têm o direito de aprender o que quiser, mas nesta categorização, estes angoleiros "contemporâneos" se diferem dos que jogam EXCLUSIVAMENTE a Angola);

-

REGIONAL

pura de Mestre Bimba, que está sendo divulgada e recuperada, principalmente, por Mestre Nenel. Passou por mudanças,

tem em torno de 80 anos de existência

;

-

ANGOLA

pura, que possui Mestre Pastinha como ícone maior, mas que comporta dentro do mesmo estilo variações práticas e técnicas derivadas de

400 anos de existência e

experimentação. Nessa categoria, não se aceitam competições ou campeonatos, pois o melhor da roda não pode ser medido, não existe. Cada um contribui com seu melhor para a roda e isso potencializa a energia coletiva, que retorna para o indivíduo. A

Soma-Iê

se encontra dentro desta proposta com os grupos de terapia ligados aos

Coletivos Iê’s de SP, BH e Curitiba

. Apesar de não ter um mestre nos apadrinhando, buscamos a responsabilidade de não misturar ou deturpar sua essência, permanentemente fazendo oficinas com mestres angoleiros. Uma fonte de referência além do

GCAP

e suas derivações (*29) é a

ABCA

(

Associação Brasileira de Capoeira Angola

), que possibilitou a volta de mestres que pararam por mais de 20 anos ou que modificaram seu estilo e agora voltaram à Angola. E inúmeros angoleiros que se espalham pelo Mundo a fora, os já citados e outros como M. Curió, Mestre Lua de Bobó, M. René, M. Roberval e M. Laércio, e sem falar dos antigos capoeiristas como M. Antônio Diabo de Jequié.

Esta categorização (*30) pode ser usada por grupos e rodas, mas é sobre o capoeira, o capoeirista, que procuro definir. Pois se Mestre Bimba foi angoleiro e criou a Regional, qualquer um pode mudar de estilo no decorrer do fluxo de sua vida. Nem é sempre o título conseguido por um mestre angoleiro que definirá seu estilo. Mestre João Pequeno, maior raiz viva da Angola, formou mestres em Minas Gerais que nesta categorização não são angoleiros. Há também outros mestres antigos que são angoleiros e foram criando alunos e mestres não-angoleiros (Mestres Brasília e Sergipe, e outros inúmeros exemplos). A Capoeira é PRÁTICA e não TEÓRICA. Se mestres tiveram formação angoleira ou regionaleira pura e não a seguem, procuro enquadrar seu estilo em função da sua prática cotidiana, de seu grupo e alunos.

Esta categorização não é entre melhor e pior, simplesmente busco explicitar uma forma de ver a Capoeira que desenvolvi nos últimos anos, na prática, na convivência e na pesquisa. Apesar dos estilos terem treinos e rodas que definem o cotidiano de seus praticantes, qualquer um pode participar de um outro estilo, desde que respeite os rituais locais, o que mantém a possibilidade de chamarmos tudo isso de CAPOEIRA. Acontecem muitos eventos onde se convidam mestres antigos, ora pra valoriza-los, ora para tentar usar seus nomes, são tênues esses limites, e secundários, desde que se respeitem estes mestres.

A individualidade defendida por Mestre Pastinha (“

cada um é cada um, ninguém luta como eu”)

é fundamental dentro do estilo Angola. No entanto, a infiltração da militarização e da padronização (*31) pode ainda descaracterizar a Angola no contexto atual de globalização econômica. Mesmo grupos que foram fundamentais no resgate da Angola, ao insistirem em uma única padronização, podem enfraquecê-la. O ‘Cobra Mansa’ de Mestre Pastinha, Mestre João Pequeno é fundamental hoje, pois além de ser o mais importante capoeirista vivo e em atividade, soube experimentar e trazer de volta elementos ritualísticos da sua Angola. Poucos podem trazer em seu currículo mais de 71 anos de capoeiragem em quase 85 anos de vida.

Desejo críticas e sugestões para ir ‘movimentando’ minhas percepções aqui apresentadas e poder retribuir em novos textos (as correções colocarei no livro), procurando buscar mais ‘sinceridades’ que ‘verdades’. Nas últimas décadas, com a existência de técnicas de vídeo, fotos e arquivos, há capoeiristas tentando inventar (mentir) seu passado. Uma pergunta pode ser um desafio ou um diálogo, na roda e na vida. Dentro das capoeiras, eu pergunto: Qual é a sua?

Posso definir o outro de fora e cada um pode se definir. Assim poderemos confrontar conceitos. Querer definir o outro pode parecer autoritário, uma forma de me defender (fechar), mas também pode fazer parte do meu direito libertário. O autoritarismo também é móvel e está nas relações e não só em conceitos. Pois os conceitos mostram a prática e esta é modificada cotidianamente, pelas relações do indivíduo com seu meio.

Eu sou angoleiro, sim sinhô...

e pergunto ao

Kamugerê

, qual é a sua?

“Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições” Manoel de Barros

Rui Takeguma

Somaterapeuta criador da Soma-Iê, anarquista, fotógrafo e professor do

Iê – Grupo Anarquista de Capoeira Angola de SP

, participante da

FACA (Federação Anarquista de Capoeira Angola

)

São Paulo, Fevereiro de 2002

ruitakeguma@uol.com.br

www.soma.pagina.de

http://ie.angola.pagina.de

As primeiras pequenas correções aconteceram após e-mail´s de Mestre Cobrinha (EUA) e MestreMano (RJ), contatos pessoais com M. Nenel (BA) e novas referências bibliográficas.

Entregue além dos e-mails variados, pessoalmente para M. Primo, M. João em BH-MG, e avisado da HP para Silvinho e René. Na Bahia, Pepeu do GCAP, Aranha e Zóinho e Grito do M. João Pequeno, M. Moa do Catênde da ABCA, Mestre Nenel do Filhos de Bimba e M. Roberval do Filhos de Angola. Avisado do texto na HP para CM. Boca do Rio e Déo Lembá.

Em 4 e 5 de Abril de 2002, Salvador-BA.

Observações:

*1 –Seu próprio inimigo e porta-voz do establishment, o jornal The New York Times, acabou tendo de reconhecê-lo como “o mais importante intelectual vivo da atualidade”. Chomsky é anarquista declarado e professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT - EUA). Mesmo Chomsky, com sua capacidade de percepção especial sobre política internacional, errou ao classificar o governo do Rio Grande do Sul (ou a prefeitura de Porto Alegre) como ‘dos trabalhadores’ durante a palestra de abertura do 2º Fórum Social Mundial, no início de 2002. O PT (Partido dos Trabalhadores) pode até ser diferente nas intenções em relação aos outros partidos, mas na prática repete a mesma estrutura de poder e exploração, gerando e mantendo a desigualdade social e desviando a possibilidade de uma ação mais revolucionária e rápida: a mudança no meu corpo, aqui e agora.

*2 – Roberto Freire, 75 anos, escritor e criador da Soma. Em início de 2002, ocorre minha separação com a Soma praticada pelo Coletivo Brancaleone e, com Freire voltando ao Brancaleone, opto por um vôo solo na pesquisa prática da Somaterapia: “Manifesto Soma-Iê” – Janeiro de 2002.

*3 – RevistaLIBERTÁRIAS nº2, nov./dez.1997, “Capoeira Angola a Arte da liberdade” por Rui Takeguma. Quem desejar ler o texto na íntegra pode acessá-lo na página:

http://somaterapia.vilabol.uol.com.br/artigos.html

*4 – palestra do Dr. Fu-Kiau (Lemba Institut – NY/EUA) durante o III Encontro Internacional de Capoeira Angola, da Fundação Internacional de Capoeira Angola (FICA), Salvador-BA, agosto de 1997.

*5 – “O folclore negro do Brasil” de Arthur Ramos, Rio de Janeiro 1935. A relação Angola-Brasil é outra ainda a ser contada, além dos portugueses terem sido os únicos europeus a praticar guerras oficiais de captura de africanos, os brasileiros foram os únicos americanos a ajuda-los nessas violências. Em 1648, saiu do Rio de Janeiro a força expedicionária de Salvador de Sá (armada e financiada por fazendeiros fluminenses) que reativou o tráfico para o Brasil após expulsar os holandeses de Luanda. Foi o paraibano André Vidal de Negreiros, então governador de Angola, quem destruiu o reino de Congo, antigo soberano dos reinos nativos de Angola, na batalha de Ambuíla, em 1665 (por Luiz Felipe de Alencastro, Nós em Angola, Angola em nós, revista Veja, 27/11/1996).

*6 – “Liberdade por um fio – História dos quilombos no Brasil” organização de João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, São Paulo 1996.

*7 – “Breve Histórico sobre a Capoeira” por Mestre Moraes, publicado em revistas e no site do GCAP:

http://www.gcap.com.br

. Esta tese foi levantada por Luís da Câmara Cascudo (Folclore do Brasil, 1967) e Mestre Pastinha começa a defendê-la, como uma possibilidade, depois de ir à África em 1966.

*8 – entrevista a Revista GINGA CAPOEIRA, nº5 – 2001.

*9 – Livro “Capoeira e Mandingas – Cobrinha Verde”, de Marcelino dos Santos, Salvador 1991.

*10 – Livro “Capoeira Angola”, de Mestre Pastinha, Salvador 1964.

*11 – “Los Conjurados Del Quilombo Del Gran Chaco”, de Augusto Roa Bastos, o principal escritor paraguaio e um dos mais importantes da literatura latino-americana. Em 1989 recebeu o Prêmio Cervantes – o mais célebre da língua espanhola.

*12 – “A Capoeira é brasileira”, de Luiz Carlos K. Rocha, Revista MUNDO CAPOEIRA, maio de 1999.

*13 – “A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro”, de Carlos Eugênio Líbano Soares, Rio de Janeiro, 1994.

*14 – “A Lei Áurea revisitada”, de José Luiz Werneck da Silva, suplemento Negros Brasileiros, Revista CIÊNCIA HOJE, nº48, novembro 1988.

*15 - “Zumbi dos Palmares: Identidade Nacional e Democracia” por Maria Lúcia Montes.

*16 – “Le Brésil em 1889: les zones agricoles”, de André Rebouças, 1889.

*17 – A- “Capoeira: Matriz Cultural para uma Educação Física brasileira”, de Sergio Luiz Vieira, 1997.

17 – B- “As raízes da Regional”, Ângelo Decânio, Revista da Bahia, V.32, nº33, Julho de 2001.

*18 – Jornal Tribuna da Bahia, Salvador, 7 de fevereiro de 1974.

*19 – “Mestre Pastinha – cada um é cada um, ninguém luta do meu jeito”, de Rui Takeguma, escrito para a Revista CORDÃO BRANCO em 30/01/2002, Espaço Cultural TESÃO, São Paulo. Disponível na home-page do Iê – Grupo Anarquista de Capoeira Angola.

*20 – Canjiquinha – Alegria da Capoeira”, de Antônio Moreira.

*21 – “O mundo de pernas para o ar – A Capoeira no Brasil, de Letícia Vidor de Sousa Reis, 1997.

*22 – Depoimento gravado em vídeo durante e para o I Encontro Nacional de Capoeira Angola de Belo Horizonte, em 1999. Para mim este foi o mais importante evento de Capoeira que participei, não só pelos Mestres presentes, mas principalmente por ser realizado por quase todos os grupos de Capoeira Angola de Belo Horizonte, diferente de eventos promovidos por um ou outro grupo. Ele aconteceu em grande parte pela luta de mestre Primo do grupo Iúna.

*23 – Na Revista Brasileira de Estudos Sociais, v.4 nº10, 1989. Os pontos levantados por Frigério são: Malícia, Complementação, Jogo Baixo, Ausência de Violência, Movimentos Bonitos, Música lenta, Importância do Ritual e Teatralidade.

*24 – Como anarquistas, não nos interessa a participação na política nacional, defendendo a Pátria ou o Estado. Somos internacionalistas. O Brasil de 2002, que mantém a miséria de grande parte de sua população, deposita mensalmente dois bilhões de dólares de juros de uma impagável dívida com o FMI, criada nos governos militares.

*25 – “O Berimbau-de-barriga e seus toques”, de Kay Shaffer, monografias folclóricas 2, 1977.

*26 – “O jogo da capoeira – 24 desenhos de Carybé”, de Carybé, Bahia, 1955.

*27 – “Emoções e linguagem na educação e na política”, de Humberto Maturana. A Capoeira, como um todo, mantém uma “objetividade-entre-parenteses”, que possibilita estarmos na mesma história e crescimento – aceitando o outro independente do estilo e deixando-se vadiar, trocando na roda. Também pela

negação responsável

desta objetividade, percebendo o momento de recusar a troca e estabelecendo limites, que poderemos manter a Angola fora de elementos cooptadores como o hierarquismo e a competitividade, inerentes ao ambiente atual. Podemos e devemos reagir através da evolução da relação do organismo (Angola) com o meio (Capoeira).

*28 – Proposta anarquista: vivência da autogestão. Nós, anarquistas, temos muito que aprender com essas estratégias e práticas. Aprender com a teoria libertária para podermos viver o jogo de Angola na vida social, fora da roda.

*29 – Derivações diretas do GCAP, a meu ver, são o CCARJ (Centro de Capoeira Angola do Rio de Janeiro) e a FICA (Fundação Internacional de Capoeira Angola). Derivações indiretas são os sem estrutura formal de ligação com estes Mestres, mesmo que com eles tenham aprendido e ainda aprendam, como por exemplo, o Iúna, de Belo Horizonte, o Angola Dobrada, ou ainda o Aprendizes de Angola, que existiu em Curitiba. São poucos grupos exclusivamente de Angola. Nas cidades de Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte existem MENOS DE DEZ grupos deste estilo, entre centenas e milhares de Capoeira "Contemporânea". Em Curitiba e Florianópolis, quem formou os primeiros grupos de Capoeira Angola foi a Somaterapia, com a sua proposta. É na Bahia que ainda se preserva a maior diversidade de raízes da Angola.

*30 – Buscando apoio na forma de pensar do biólogo chileno Humberto Maturana Romesín (“tudo é dito pelo observador”), procuro que esta categorização seja mais “distinguir” que “classificar”. Agradeço a revisão deste texto por alguns amigos e membros do , em especial o Marcão de BH, Marcos Vinícius Bortolus. Além da edição de texto, feita pelo poeta André Pessôa, e a revisão final, por Juliana Freire.

*31 – Aprofundar como as ditaduras tenderam a essa função na história nacional seria interessante, pois os governos, de cima para baixo, tendem a espalhar e espelhar na sociedade sua estrutura regrada e rígida. A Angola, como o anarquismo, nasce de cada indivíduo e se harmoniza cotidianamente nos conflitos interpessoais. Na Capoeira isso é gerado na roda. O anarquismo seria uma forma de ampliar essa experiência corporal para os conflitos do cotidiano, gerando uma sociedade autogestiva, de baixo para cima. Não sem regras, mas com regras em movimento, fruto dos conflitos do aqui e agora, entre pessoas em igualdade de posições e com liberdade de expressões.

*32 – Depois de terminar este artigo, saiu no Jornal “Folha de São Paulo” de 24 de Janeiro de 2002 na matéria “Empresa Brasileira é branca e masculina”: “Mulheres e negros estão sub-representados dentro das empresas brasileiras. Os negros e pardos, por exemplo – que respondem por 46% da população do país – , ocupam uma quantidade irrelevante (6%) das vagas na direção das companhias atualmente”. É só mais um exemplo para que se possa ver que a Abolição está no papel e não nas relações sociais como um todo. A luta nunca foi negros x brancos ou mulheres x homens e sim entre quem está em cima x quem está embaixo (Zapatismo ou Anarquismo).

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