Caetano e Belchior
A famosa treta entre Caetano e Belchior
Minha
bolha virtual vai ao delírio com live do Caetano Veloso. São produções
impecáveis e nos fazem celebrar a genialidade da sua obra. Mostram
também como o baiano está sempre antenado com o momento, como é hábil em
se adaptar às exigências do mercado da cultura e assim juntar centenas
de milhares de pessoas numa grande audiência virtual.
Belchior
sempre se incomodou com esse caetanismo camaleônico. O cantor cearense
enviou críticas veladas a esse comportamento dentro de algumas de suas
letras. Mais que uma divergência entre cantores, o debate de fundo se
deu entre duas correntes musicais dos anos 70: o tropicalismo e a turma
que ficou conhecida como Pessoal do Ceará.
Os mais atentos já
conhecem as referências que Belchior fez a Caetano e sua obra. Numa
delas, chega a citá-lo: “Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do
Norte e vai viver na rua”, cantou na música Retrato 3x4, lançada no
disco Alucinação de 76. Quando escreveu, Belchior morava literalmente
numa rua da capital paulista, enquanto Caetano vivia o auge do
tropicalismo com letras mais centradas no psicodelismo.
Na mesma
toada, Belchior alfineta o tropicalismo na saga do Rapaz Latino
Americano, também no disco Alucinação. “Mas sei que nada é divino / Nada
/ Nada é maravilhoso, nada / Nada é secreto, nada / Nada é misterioso /
Não (…)”.
Com a peculiar astúcia nas palavras, Belchior
apresenta neste hino do cara fodido brasileiro a crítica musical,
política, estética que tinha em relação ao movimento musical dos
baianos. No segundo verso da mesma música conta que traz “de cabeça uma
canção do rádio em que um ‘antigo compositor baiano’ me dizia tudo é
divino, tudo é maravilhoso”.
O pessoal que chegava do Ceará no
Rio e em São Paulo (que tiveram como principais expressões Ednardo,
Amelinha, Fagner, Belchior) considerava a Tropicália já ultrapassada e
antiga e o seu psicodelismo exacerbado uma forma de fuga de temas mais
políticos.
Como contraponto, Belchior se apegava no caminho do
realismo: “Eu não estou interessado em nenhuma teoria, nem nessas coisas
do oriente, romances astrais, a minha alucinação é suportar o dia-a-dia
e meu delírio é a experiência com coisas reais”, anunciou Belchior na
música que deu título ao álbum Alucinação.
Pode ser que a treta
entre os Caetano e Belchior teve um ponto final com o artigo publicado
um dia após a morte do bigodudo, quando Caetano mostra ter entendido e
assimilado as críticas: “todas as citações a canções nossas que estavam
em trechos de canções de Belchior me agradavam por estarem dentro de um
timbre criativo sempre rico e instigante”. Caetano admite que a chegada à
cena do "pessoal do Ceará teve como uma de suas marcas a intenção de
exibir confronto com os tropicalistas”.
Se Caetano metamorfoseia
aos ditames do mercado, Belchior saiu pela marginal e se perdeu nela,
sendo caso raro na MPB de fuga da fama, da carreira, do seu eu. Belchior
valeu-se do direito de desaparecer e rompeu não só com o showbusiness,
mas com a própria sociedade.
Inacreditável, mas quanto mais
Belchior fugiu, mais foi encontrado pelas novas gerações que o
escolheram como ícone. Os jovens fazem seus versos poéticos serem
recitados em shows de seus intérpretes Brasil afora. Belchior está mais
vivo que nunca. Já Caetano, será um eterno sobrevivente, pois sabe
sempre se adaptar.
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