Alquimia da Felicidade por Hazrat Inayat Khan
Alquimia da Felicidade
A alma em sânscrito,na terminologia vedântica, chama-se "atman" - que quer dizer felicidade ou bem-aventurança.
A felicidade não pertence à alma, a alma é que é a felicidade. como é natural, há uma confusão entre felicidade e prazer. Prazer é apenas uma ilusão, é uma sombra da felicidade. O ser humano pode levar a vida inteira vivendo nessa ilusão, procurando o prazer e nunca encontrando uma satisfação. Diz um ditado hindu que o ser humano procura o prazer e encontra a dor. Na aparência exterior o prazer se assemelha à felicidade. O prazer promete felicidade por ser a sombra da felicidade. Mas assim como a sombra de uma pessoa não é a própria pessoa, embora represente sua forma, também o prazer representa a felicidade mas não é na realidade a felicidade.
Em apoio a essa idéia podemos notar que raramente encontramos no mundo almas que sabem o que é felicidade. Vivem constantemente desapontadas com uma coisa e outra. Essa é a natureza da vida neste mundo. É tão enganadora que se um ser humano se desapontar milhares de vêzes, mesmo assim continuará percorrendo o mesmo caminho, porque não conhece outro caminho. Quanto mais estudarmos a vida mais descobrimos como é raro encontrar uma alma que diga honestamente "Eu sou feliz". Quase todas as almas qualquer que seja a sua situação na vida, de uma maneira ou de outra dirão que são infelizes.Se perguntarmos a uma pessoa porque se sente infeliz dirá que não conseguiu obter o que queria, que não tem nenhum poder, propriedades, haveres ou posição social, não conseguiu nada do que se esforçou para obter anos a fio. Talvez essa pessoa tenha almejado riquezas e não compreendeu que haveres não proporcionam tanta satisfação como pensam.Talvez diga que tem inimigos ou aqueles que a amam não a amam. Há milhares de desculpas para a infelicidade criadas pela mente e que influem no seu raciocínio.
Qualquer uma dessas desculpas, entretanto, é realmente correta? Pensam que se pessoas que se dizem infelizes tivessem seus desejos satisfeitos seriam felizes? Se possuíssem tudo o que desejam seria suficiente? Não, ainda assim arranjariam outra desculpa para sua infelicidade. Todas as desculpas não passam de véus que cobrem os olhos dos seres humanos. O anseio de chegar à verdadeira felicidade, que nenhuma das coisas citadas aqui pode dar, está no ser humano se aprofundar em seu próprio ser. Que é realmente feliz, é feliz em qualquer lugar: num palácio ou numa choupana, na riqueza ou na pobreza, porque descobriu a fonte da felicidade que está situada no seu coração. Enquanto uma pessoa não encontrar essa fonte nada lhe proporcionará a verdadeira felicidade.
O ser humano que desconhece o segredo da felicidade muitas vezes desenvolve em si o espírito da avareza. quer possuir milhões e quando os obtém, eles não o satisfazem. Passa então a desejar bilhões e ainda assim não fica satisfeito. Sua ânsia de riqueza é cad vez maior. Se todos lhe derem toda a simpatia e préstimos, ainda assim essa pessoa se sentirá infeliz. Mesmo se lhe dermos tudo o que possuímos, isso não será bastante, até se lhe dermos o nosso amor. Nada a ajudará porque ela está procurando a felicidade na direção errada. Para ela a vida é uma tragédia.
Felicidade é uma coisa que não pode ser comprada ou vendida, nem ela pode ser dada a quem não a possui. Felicidade é o próprio ser de uma pessoa. É o seu próprio eu, é a coisa mais preciosa da vida. Todas as religiões, todos os sistemas filosóficos, ensinaram ao ser humano de diversas maneiras, como alcançar a felicidade. Ou pelo caminho religioso ou pelo caminho místico. Todos os sábios de uma maneira ou de outra ensinaram um método para se encontrar a felicidade que a alma procura.
Os sábios e os místicos deram a esse processo o nome de alquimia. As histórias das Mil e uma Noites, de origem árabe, que simbolizam idéias místicas estão repletas da crença de que há uma pedra filosofal que transforma os metais em ouro por um processo químico. Indubitávelmente, essa idéia simbólica iludiu as pessoas tanto do oriente quanto do ocidente. Muitos pensaram que existia um processo pelo qual o ouro poderia ser fabricado, ao passo que essa idéia nunca foi a dos sábios e místicos. A procura do metal ouro é para aqueles que ainda não saíram da meninice. Para os que tem consciência da realidade, ouro quer dizer Luz ou Inspiração Espiritual. O ouro representa a cor da Luz. A perseguição inconsciente do ser humano ao encontro da Luz tem feito com que ele procure o ouro, mas existe uma grande diferença entre o ouro verdadeiro e o ouro falso. O anseio de encontrar o ouro verdadeiro faz a pessoa adquirir a imitação do ouro, por ignorar que o ouro verdadeiro está dentro do ser ser. A imitação do ouro nesse caso satisfaz a ânsia da sua alma, como uma criança se satisfaz com brinquedos.
Essa realização não é questão de idade. Uma pessoa pode ter idade avançada e mesmo assim ainda gostar de brincar com brinquedos. Sua alma pode estar envolvida com a procura da imitação do ouro. Uma outra pessoa que na juventude começou a ver a vida pelo seu aspecto verdadeiro, pode chegar à essa realização. Se estudarmos a natureza transitória da vida na Terra e verificarmos como ela é sujeita a mutações, e constatarmos que o anseio permanente de cada ser é encontrar a felicidade, certamente vamos nos esforçar o máximo para encontrar algo em que possamos confiar. O ser humano, colocado no meio do mundo de mutações, aprecia e procura a constância onde ela puder ser encontrada. Não sabe que o que deve fazer é desenvolver nele próprio a qualidade constância. Faz parte da natureza da alma valorizar tudo que é confiável. E há uma coisa na vida em que se pode confiar e que está acima das mutações e da destruição. Tudo que teve nascimento e tudo que foi fabricado está sujeito à destrição, tem um fim. Mas se existe alguma coisa em que se pode confiar, e que não será destruída é o que está oculto no coração do ser humano: A centelha divina, a verdadeira pedra filosofal, o verdadeiro ouro, o ser interno de cada pessoa.
Uma pessoa pode seguir uma religião e não chegar à realização da verdade. Neste caso qual a utilidade da religião se ela não a fez feliz? Religião nada tem a ver com depressão e tristeza. O espírito da religião deve proporcionar felicidade. Deus é felicidade. É a perfeição do Amor, da Harmonia e da Beleza. Uma pessoa religiosa deve ser mais feliz do que uma não-religiosa. Se uma pessoa que professa uma religião está sempre melancólica, para ela religião é uma coisa triste, a forma da religião foi conservada mas o espírito da religião não existe. Se o estudo da religião e do misticismo não levar à verdadeira alegria e felicidade, seria melhor que não existisse, porque em nada ajudará na realização do objetivo da vida. O mundo de hoje é triste e sofrido como consequência das guerras catastróficas. A religião que preenche as exigências hoje é aquela que revigora e dá vida às almas, que ilumina o coração do ser humano com a Luz Divina que já está dentro do coração humano, não precisando usar necessáriamente uma forma exterior - embora para algumas pessoas uma forma exterior seja de grande ajuda - mas mostrando a felicidade que é o anseio de todas as almas.
Quanto a questão de como praticar o processo da alquimia, todo esse processo foi explicado pelos alquimistas, mas de maneira simbólica. Disseram que o ouro é produzido através do mercúrio, mas por meio de um determinado processo ele era primeiramente acalmado e depois de acalmado se transformava em prata. A prata então era derretida e o suco de uma erva despejado sobre a prata derretida, que asssim se transformava em ouro.Trata-se naturalmente de um esboço, mas é possível obter-se explicações detalhadas desse processo no seu todo. Muitas almas procuram fabricar ouro acalmando o mercúrio, derretendo a prata e tentando encontrar a erva mas se desiludiram e teria sido melhor se tivessem trabalhado para conseguir ganhar dinheiro.
A verdadeira interpretação desse processo é a seguinte: o mercúrio representa a natureza da mente em perene inquietação. Especialmente quando uma pessoa tenta se concentrar é que verifica que a sua mente está sempre inquieta. A mente é igual a um cavalo rebelde: quando está sendo montado fica mais rebelde do que quando está na cavalariça. A natureza da mente é idêntica, fica mais rebelde e inquieta quando queremos controlá-la.É igual ao mercúrio, constantemente se movimentando.
Quando, usando o método da concentração, uma pessoa consegue dominar a mente, deu o primeiro passo na realização de uma tarefa sagrada. A prece é uma concentração, a leitura é uma concentração, sentar, relaxar e pensar num objeto é concentração. todos os artistas, pensadores e inventores praticaram a concentração de uma forma ou de outra. Concentraram suas mentes em alguma coisa e focalizando a mente num objeto desenvolveram a faculdade da concentração. Contudo, para acalmar a mente é necessário um método especial, ensinado pelos místicos, da mesma forma que um professor de canto ensina o cantor a emitir a voz.
Esse segredo pode ser aprendido através da ciência da respiração. A respiração é a essência da vida, o centro da vida. A mente pode ser controlada pelo conhecimento do método apropriado da respiração. Para isso é necessario receber instruções de um mestre. O culto místico do oriente tornou-se conhecido no ocidente, livros tem sido publicados e os ensinamentos que eram mantidos secretos como os da religião, vem sendo discutidos por meio de palavras, quando não se pode jamais explicar verdadeiramente o mistério daquilo que é o próprio ser do homem. As pessoas lêem esses livros e começam a se divertir com a respiração e muitas vêzes, ao invés de beneficiar a mente e o corpo, são eles prejudicados. Há também os que fazem um negócio do ensino dos exercícios respiratórios angariando dinheiro, desse modo degradando uma coisa sagrada. A ciência da respiração é o maior mistério existente e durante milhares de anos tem sido mantida como algo em que se pode confiar e sagrada nas escolas místicas.
Quando a mente está em perfeitas condições e sob controle, perdeu totalmente sua inquietação. A pessoa pode manter um pensamento à vontade e por quanto tempo quiser. É o início do fenômeno. Muitos abusam desses privilégios e dissipam o poder assim obtido, destruindo a prata antes que se transforme em ouro. A prata deve ser aquecida antes de ser derretida, mas aquecida com quê? Com o calor, a essência Divina no coração do ser humano, isto é, o elemento Amor - que brota como tolerância, simpatia, serviço, humildade, altruísmo - numa corrente que se eleva e cai em milhares de e cada gota pode ser chamada de virtude. Todas as virtudes vem daquela única corrente oculta no coração do ser humano. O elemento Amor. Quando o fogo do Amor está incandescente no coração de alguém, suas ações, seus movimentos, o tom da sua voz, a sua expressão mostram que o coração está quente. Logo que isso acontece o ser humano realmente está vivo, tirou o lacre da fonte da felicidade, que suplanta tudo que é perturbador e desarmonioso. A fonte agora é uma Corrente Divina.
Depois que o coração é aquecido pelo elemento Divino, que é o Amor, o passo seguinte é a erva. Essa erva é o Amor de Deus. Entretanto Amor de Deus ainda não é o suficiente: é preciso também o Conhecimento de Deus.A falta desse Conhecimento de Deus é que faz a pessoa abandonar sua religião porque há um limite para a paciência humana. O Conhecimento de Deus fortalece a crença do homem em Deus, lança Luz sobre ele e sobre a vida. As coisas tornam-se claras cada folha de árvore se transforma na página de um livro sagrado para quem tem os olhos abertos para o Conhecimento de Deus.Quando o suco da erva do Amor Divino é despejado sobre o coração do ser humano, que está aquecido pelo amor aos seus semelhantes o coração se transforma num coração de ouro. Esse coração expressa o que Deus expressaria. O ser humano não viu Deus mas viu Deus no ser humano. Quando isso acontece, verdadeiramente falando, tudo o que vem desse ser humano vem de Deus.
Hazrat Inayat Khan
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