Monogamia e Feminicídio
O padre Diogo Ferrer, em uma carta de 1633 afirma, sobre indígenas guarani:
“vivem juntos quanto tempo querem, e quando o marido quer se casar com outra mulher deixa aquela, e o mesmo faz a mulher, e não parece que estes índios em seu natural conhecem a perpetuidade do matrimônio. A nenhum deles isso soa ofensivo” .
"A dificuldade dos padres não estava apenas em fazer os índios entenderem que deveriam levar uma vida monogâmica, mas também que deveriam estabelecer uma aliança duradoura e fiel com seu cônjuge. A preocupação dos missionários estava em afastar os índios dos pecados da carne o quanto antes pudessem" (Guilherme Felippe*, 2008).
Enquanto a sociedade não indígena só teve o direito pleno ao divórcio "assegurado" na Constituição de 1988, nós já tínhamos essa noção de que as pessoas só devem continuar juntas se assim o quiserem, pelo tempo que quiserem, séculos e séculos antes.
Até 2005 adultério era literalmente um crime no Código Penal e segue sendo um pecado e desvio moral na mentalidade cristã de muitos.
E depois os nossos modos de vida que são atrasados, rs.
O cristianismo impôs uma monogamia que tinha como centro a indissociabilidade do vínculo e com isso colaborou para a perpetuação das mais profundas violências misóginas. Boa parte dos assassinatos feminicidas ocorrem porque homens cis "não aceitam o fim da relação" - isso é literalmente sobre a ordem monogâmica dos afetos.
Um véu cristão encobre a percepção de muitos em reconhecer que machismo e monogamia foram/são indissociáveis nos últimos 500 anos nesse território, partem da mesma fonte colonizadora: o desrespeito ao direito intransferível da autonomia.
Querer uma monogamia boa e ética é como querer restaurar a colonialidade.
Pensamento colonizador a gente destrói, não ressignifica.
Se uma relação não se pauta em posse, cerceamento e controle, porque chamá-la monogâmica?
O fim da monogamia cristã é uma luta anti-feminicídio.
*artigo do historiador Guilherme G. Felippe, intitulado: Casar sim, mas não para sempre: o matrimônio cristão e a dinâmica cultural indígena nas reduções do Paraguai".
W. Reich mostrou a ligação desse 'matrimônio' indissolúvel com a estrutura de família autoritária que gera sociedades autoritárias, a ligação do matrimônio com a propriedade privada e herança, pra isso usar a mulher como propriedade privada e exclusiva, e ao homem o direito 'secreto' da traição....
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